terça-feira, 25 de novembro de 2014

Fragmento do diário de Welton Muniz

" Hoje no trabalho presenciei um evento daqueles que causam pesares, mas que também trazem a alegria de saber que não foi com você. Fui logo acometido por um grande alívio e sentimento de superioridade, intensificados pelo código institucional que me exime de qualquer possibilidade – por mais apocalíptica que possa localizar-se a conjuntura da nação – da vicissitude ocorrer sob minha pessoa. O misto de felicidade e comiseração por meu companheiro demitido foi curioso e causou confusão cerebral e linguística. Senti um turbilhão de labirintos darem voltas giroscópicas sobre um centro de gravidade, que no caso seria meu eixo de valores.
Mas agora já está tudo bem. A rotina já voltou, e não houve muitas cerimônias no último dia do meu amigo de Divisão, demitido abruptamente após meia década na repartição. As muitas demissões da empresa terceirizada, responsável por uma pá de serviços baixos, causaram algum ti-ti-ti em dois dias. No terceiro já estava esquecida, afinal se pediu um corte de 30% nos gastos. O clima nacional é bem baixo-astral, ao menos para economistas e demais entendidos. A massa está otimista, graças a Deus. Esse terceiro dia, quando nunca mais veria meu amigo de Divisão, exibe um sentimento purificado. Sei o que é. Já está tudo bem. Posso escrever meu diário e recordar eventos que são sintomas do sistema e do Primeiro Estado, do qual faço parte. Eu sou um herói e um deus. Meus sintomas são as pedras do Olimpo, eu sou um aristocrata. Um burocrata, e nada irá me tirar desse pedestal. Que venham os cortes, as crises. Eu tenho direitos. Eu sou um cidadão, maior que tudo e todos. Meu colega pode ter ido embora, agradeço. É triste ver um companheiro de rotina partir, depois de tantas conversas jogadas fora. Ele também era flamenguista. Mas agradeço a possibilidade de me rever no meu lugar, este canto tão perfumado e acolchoado, protegido do mundo exterior, tão horroroso que tira as pessoas do seu direito de trabalhar onde estão, sem rodeios, direitos à defesa, e sem motivos senão o corte de despesas. Sem possibilidade de se recorrer à Justiça. Até quando o mundo será tão cruel com o povo? Por que o dinheiro não é infinito?"

- W.M., nomeado* e empossado




* Ministério dos Ministros Administrados. Portaria nº 366, de 21 de junho de 2010. Nomeia, em caráter efetivo, em virtude de habilitação no concurso, regulado pelo Edital de 6 de novembro de 2009, de acordo com o artigo 9º, inciso I, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, para exercerem o cargo de Assistente de Performance, da Carreira de Fidalgo-Amanuense, do Quadro Permanente do Ministério dos Ministros Administrados, os candidatos abaixo relacionados [...] e dá outras providências. Diário Oficial União, nº 124, 01 jul 2010; Seção 2, pp. 70. ISSN 1677-7050

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