quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Os ventos da massa: Game of Thrones e House of Cards

Uma coisa que chamou a atenção ao assistir essas duas excelentes séries está no eixo elite-massa. Nas duas, temos apenas elites sociais como personagens principais: em GoT, são todos nobres de casas tradicionais, soberanos de terras e atores políticos de grande peso. Na sua pirâmide de poder, os protagonistas só perdem para o Rei de Westeros, que não é sujeito na história (isto é, não tem sua perspectiva como centro de narrativa). 

Em House of Cards (ainda não assisti tudo, estou na primeira temporada ainda), o foco está no jogo político do Congresso norte-americano, com personagens deputados, atores de alto escalão em Washington, de diversos lados distintos: defensores de interesses de grupos específicos (lobistas de sindicatos, de corporações, etc), fazendo valer o conflito de forças que movimenta a política. 

Mas direciono o olhar aqui pra outra parte das duas séries: a ausente. A massa. Nas duas, há obviamente uma multidão de pessoas que fazem parte das duas sociedades (a americana e a "westerosi"). Elas são bastante relevantes para o jogo político, sendo tratadas como algo com que a elite deve lidar. Às vezes ela está a favor, outras, contra. Mas em todas as ocasiões é uma peça de articulação, que deve ser lidada com estratégia, para orientar seus ventos. 

A elite é o vento da massa nessas duas séries de TV, as mãos que movem as peças de xadrez. E a massa são peões com pouca força individual, mas bastante coletiva. Individualmente, ela não existe, não é nada. Um indivíduo da massa não tem identidade alguma, e se tem já não é mais massa.

Duas cenas são ilustrativas. Em HC, Frank organiza um jantar de gala para uma massa de poderosos, todos ali convidados para juntar dinheiro para a ONG de sua esposa, Claire. São massa manipulada para os fins de Frank, não importando muito que sejam. Na sua maioria são figurantes. Na mesma cena, uma massa de protestantes está na porta do evento, articulada pelo inimigo de Frank em uma questão educacional, o sr. Spinella. Os poucos personagens relevantes na situação estão contornados por muitos à primeira vista irrelevantes, mas que em seu conjunto são bastante importantes.
Uma das massas, a de professores.




Em GoT, a família real desce ao cais da cidade para despedirem-se da princesa, que irá partir para terras vizinhas, como parte de um acordo político (ela vai na prática ser uma refém). Na volta, são atacados por uma massa de plebeus famintos, ensandecidos pela falta de comida na cidade. Os revoltosos estão malucos, e quase estupram Sansa Stark. Quem são eles? Uma massa de malucos, empecilho para a nobreza, que os vê como consequência da atual situação política. Afinal, naquele momento estão em guerra, e perdendo. A comida não entra na cidade, apenas a elite não passa fome. Mas para a massa, a consequência do jogo político é retratada no ataque aos poderosos.
A massa de famintos ao fundo. Tyrion, protagonista, entre dois guarda-costas. 
O único rosto visível é o de Tyrion.













Adendo: minha concepção de elite e massa vem de Nietzsche. Ele chama massa de rebanho, e suas ideias são bastante profundas sobre tais temas. Para ele, há um jogo contínuo entre as duas forças, entre a superioridade de poucos e a inferioridade de muitos. O objetivo do ser humano é a ascensão. Mas como ela é muito difícil, poucos conseguem. E ela só é boa por isso. Se fosse algo comum, não teria valor. Pra se ter valor, tem que ser especial, único. Elite. Polêmico, não?
Cuidado ao ler essas palavras. Elite e rebanho não são coisas estáticas. Mudam toda hora. É um conflito dialético, mais ou menos. Mas nesse grau de abstração, não há síntese, apenas duas forças contrastantes se movimentando pelo decorrer do tempo.

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