segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Sabotage, periferia esclarecida

Sabotage, apesar de corintiano, era um cara inteligente.
Mauro Mateus dos Santos, o Sabotage, ganhou voz notória no rap nacional com o CD "Rap é Compromisso". Tornou-se mártir da cena hiphop ao morrer assassinado aos 30 anos. Era o compositor e cantor de suas músicas, todas com uma temática social voltada à vida na periferia. Grande parte de sua vida passou ao redor do crime, da pobreza e da fome.

Suas letras possuem sacadas geniais, o que muitos teóricos expõem em 50 páginas, Sabota (como era às vezes chamado) resume em um verso! Vejamos algumas partes de suas letras:


"Mesmo estando ausente, haverá sempre alguém quem critique. " - Cocaína

Como o filósofo H.G.Frankfurt expressa em seu artigo depois transformado em livro "On Bullshit", na democracia muita gente pensa que deve ter opinião sobre tudo, só porque "é cidadão". A postura "não sei, não posso comentar bem sobre isso" é tão rara, não é mesmo? Quantas pessoas falam merda sobre um assunto do qual sabemos mais que elas? Julgar um estilo de vida, ou certas atitudes (quem critique), sem informação suficiente (estando ausente) é um traço comum em nossa sociedade.


"que o poder nada mais é que cedo ou tarde /ser otário / ser notável
pode crer que a justiça divina é inviolável" - A Cultura

Em uma fonte (Terra), estava escrito "cedo ou tarde", no Vagalume, "ser notável". E eu entendo "ser otário"! Enfim, todas tem uma grande força: o poder nada mais é que uma merda dessas. 
Cedo ou tarde remete ao fato do poder ser perene, ele é a base para extrair alguma coisa do mundo, como pensam filósofos como Nietzsche, Foucault e Deleuze. A Vontade de Poder é o que faz o mundo girar!
Ser otário: o poder envolve fazer alguma coisa contra a vontade de outro, ou pelo menos sem oposição (cortar uma árvore é sinal de poder em relação a ela). Se pensarmos com empatia, é otarice impor nossa vontade sobre outros! Se o que vai, volta em dobro. melhor não fazer nada com ninguém...
Ser notável: o poder na sociedade é uma convenção! É ter voz e status, nada mais! Aqui Sabotage encarna o mano do gueto defensor da periferia, chamando a riqueza econômica de algo que as pessoas valorizam sem necessidade, elas notam os ricos, nada mais, nada mais...

“todo talento tem vaidade aprendi assim” - A Cultura

O primeiro parágrafo de Ecce Homo, autobiografia de Nietzsche, é um exemplo desse enunciado de Sabotage. Você não só aprendeu, cara, você viu a verdade mesmo hehe.
No parágrafo vemos um Nietzsche frustrado por viver em uma época em que as pessoas ao seu redor estão muito atrás dele em termos de pensamento. O cara "nasceu póstumo", era pra ter nascido no século XX lá pro final. Mas não teria escrito nada, iria ficar jogando videogame e RPG.
Enfim, sua frustração convive com uma vontade de ser escutado: seus hábitos e o orgulho dos instintos chamam para isso. Senão ele não iria publicar nada não é mesmo? Outro exemplo vemos no livro O lobo de Wall Street, que irá virar filme, quando o autor fala: "a coisa mais triste desse mundo é ver talento desperdiçado".


“bem vindo ao jogo
ao dicionário marcado” - A Cultura

Dicionário marcado parece conter um grande significado. Um dicionário contém as palavras de uma língua, que sendo articuladas expressam intenções subjetivas. Mas quando ele está marcado, isso significa que há algum protocolo a ser seguido: algumas palavra são usadas (as marcadas), enquanto as outras ficam de fora. Temos uma etiqueta que não permite que alguma intenções sejam externalizadas. E lembrando que o nome da música é A Cultura. Qual o nosso limite de comunicação, senão aquele estipulado pela cultura? Todos temos um dicionário marcado na cabeça, e o dever de marcar cada vez mais palavras!
Não posso deixar de me referir à ideia de jogo de linguagem, de Wittgenstein. Em um jogo, como o xadrez, temos regras que limitam o que podemos fazer. E a que jogo se refere Sabotage? "O jogo da vida", por assim dizer, e ao dicionário marcado pelo "tabuleiro".

"cotidiano difícil" - Na Zona Sul

Talvez seja melhor se referir ao problema da pobreza dessa forma. É possível ser pobre e não viver um cotidiano difícil. Tais pessoas realmente precisam ficar mais ricas? A realidade da pobreza nas grandes cidades é muito diferente daquela do meio rural, do "agreste". Talvez o dever social não seja acabar com a pobreza, mas com o cotidiano difícil. Isso lembra um pouco as ideias de Amartya Sen desse livro: afinal, uma maior renda não significa necessariamente maior qualidade de vida. Há quem prefira morar com $1.500 por mês em Brasília a viver em São Paulo com $3.000 mensais.

"tudo esclarecido nada resolvido" - Na Zona Sul

EITA POXA!!!!!! A questão da modernização e da racionalização está contida nessa frase! Ao pensar em progresso, não podemos deixar de lado o processo "primeiro ver o problema, depois corrigi-lo". É assim que ocorre (pelo menos uma parte importante) o desenvolvimento: a racionalização implica na definição de uma linha de conduta, e passamos a ver o que não está de acordo com ela como irracional e portanto passível de correção.
Exemplo: vemos no dia a dia um monte de ação retardada do governo. Os problemas estão portanto esclarecidos. Isso já é uma (grande) coisa. Mesmo que não sejam resolvidos, o processo histórico tende a repará-los. É por isso que um gringo de país desenvolvido chega no Brasil e pode constatar sua condição de Terceiro Mundo. Já está esclarecido, mas falta resolver. Mas já é uma coisa olhar para nosso passado e ver que éramos nessa medida estúpidos. No futuro farão a mesma coisa conosco do presente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário